DIREITO À ISENÇÃO TRIBUTÁRIA PARA O PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR
* LEANDRO JORGE DE OLIVEIRA LINO
Inicialmente
devemos firmar um conceito que será utilizado em nossa argumentação, qual seja
ser portador de visão monocular é sinônimo de ser Cegueira Parcial, consequentemente
deficiente visual.
Neste artigo,
portanto, usaremos a expressão Cegueira Parcial, para fins de estudo do direito
à isenção tributária, decorrente da visão monocular, opção esta para nos
utilizarmos do modelo adotado na legislação tributária.
.1 – DAS ISENÇÕES POSSÍVEIS
Neste estudo
nos limitaremos a discutir as isenções tributárias do Imposto de Renda Pessoa
Física, IPI e ICMS, ao portador de cegueira parcial.
Demonstraremos
que é juridicamente admissível o usufruto pelos contribuintes que forem
portadores da moléstia grave, da espécie Cegueira Parcial, do direito à isenção
do imposto de Renda Pessoa Física, pois são tecnicamente portadores de Cegueira
e, portanto, portadores de deficiência visual.
No que se
refere às isenções do IPI e ICMS, comprovaremos que em termos jurídicos o
portador de Cegueira Parcial deve ser considerado Portador de Necessidades
Especiais e, assim sendo, faz jus ao gozo da isenção destes tributos.
.2 – DA ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA
PESSOA FÍSICA
O imposto de
renda pessoa física atualmente é regulamentado pelo artigo 6.º, inciso XIV e
XXI, da Lei n.º 7.713/1988 e Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 –
Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/1999, art. 39, incisos XXXI e XXXIII.
De acordo com a
legislação, aposentados e pensionistas portadores de moléstia grave, descritas
na Lei, possuem o direito à isenção do IRPF, sobre o valor dos proventos de
aposentadoria e pensão, sejam recebidos de órgãos públicos (INSS, Fazenda
Pública Estadual, Municipal ou Federal) e os recebidos como complementação de
entidade privada (previdência privada).
Dentre as
doenças que a lei considera como grave encontra-se a Cegueira, sendo que não
distingue a legislação, se trata de cegueira total ou parcial, portanto, tudo
que se considere medicamente como cegueira, deve ser da mesma maneira
considerado para fins de isenção.
Caso o legislador
quisesse abranger apenas a cegueira total, assim teria disposto na legislação,
o que salvo melhor juízo, seria inconstitucional, pois, feriria o princípio da
isonomia jurídica tributária.
A despeito de o
legislador ter considerado como doença grave a cegueira de modo genérico, não é
esta a interpretação feita pela Receita Federal, visando uma arrecadação maior
e desconsiderar o direito a isenção do imposto de renda.
Segundo o
entendimento esboçado na Solução de Consulta n.º 42/2013, de 08/03/2013, da Receita
Federal, somente a Cegueira Total gera o direito a isenção do IRPF. Cite-se:
“ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física -
IRPF
EMENTA: ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. CEGUEIRA. A lista das
doenças graves elencadas no inciso XIV, do art. 6º, da Lei 7.713/88, é
exaustiva, cuja interpretação não pode ser ampliada em função do disposto no
art. 111, II, do CTN. Assim, se o inciso
coloca sob o manto da isenção os proventos de aposentadoria ou reforma
percebidos por portadores de cegueira, aqui entendida como aquela pessoa
impossibilitada de enxergar (CID 54.0), não cabe abarcar no mesmo benefício os
portadores de cegueira parcial (visão monocular - CID 54.4).” (sem grifos
no original)
Aludida
interpretação feita pela Receita Federal, com base no artigo 111, II, do CTN,
em qual determina que as interpretações de isenções tributárias devam ser
feitas de forma literal, não nos surpreende, visto que, ano a ano observamos a
gana arrecadatória do fisco, do tributar por tributar.
No entanto,
esta interpretação literal, além de ser a mais pobre de todas, não é melhor a
ser feita, visto que, temos que buscar a finalidade da legislação (mens legis), que nada mais é que dar
maiores condições de tratamento ao doente grave, portanto, quando o legislador
optou por elencar a cegueira como moléstia passível de isenção, o fez pensando
em todos os tipos de cegueira, não tão somente na total.
Ademais disto,
ao fazermos uma interpretação literal, não podemos criar direitos, mas tampouco
podemos negá-los, sob pena de ilegalidade e inconstitucionalidade.
Considera-se
inconstitucional a interpretação feita, ou lei, que exclua de pessoas em
situações iguais ou equivalentes, direito iguais, ferindo assim os princípios
constitucionais da isonomia tributária e legalidade.
De acordo com o
Código Internacional de Doenças (CID 10), consideram-se como cegueira as
moléstias compreendidas no CID E 50.5, H53.6, H54 a H54.4 e Z82.1:
“Código Doença
E50.5 Deficiência de vitamina A com cegueira noturna
H53.6 Cegueira noturna
H54 Cegueira e visão subnormal
H54.0 Cegueira, ambos os olhos
H54.1 Cegueira em um olho e visão subnormal em outro
H54.4 Cegueira em um olho
Z82.1 História familiar de cegueira e perda de visão”
Apesar de a
Receita Federal, entender que não entra no direito a isenção do IRPF a cegueira
parcial (CID H54.4), não é este o entendimento predominante no STJ, que segundo
sua jurisprudência, ao versar sobre a Cegueira, o legislador teve a intenção de
abranger todas as espécies de Cegueira, principalmente a parcial.
Vejamos as decisões
do STJ:
“TRIBUTÁRIO. IRPF. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI
7.713/1988. INTERPRETAÇÃO LITERAL.
CEGUEIRA. DEFINIÇÃO MÉDICA. PATOLOGIA QUE ABRANGE TANTO O COMPROMETIMENTO DA
VISÃO BINOCULAR QUANTO MONOCULAR. CONCLUSÕES MÉDICAS. SÚMULA 7/STJ.
1. O cerne do debate refere-se à isenção de imposto de
renda sobre proventos de aposentadoria a pessoa portadora de cegueira.
2. O Tribunal de origem, com espeque no
contexto-fático, concluiu pela existência da patologia isentiva. Incidência da
Súmula 7/STJ.
3. Da análise
literal do dispositivo em tela, art. 6º, XIV, Lei n. 7.713/88, não há distinção
sobre as diversas espécies de cegueira, para fins de isenção.
4. Afasta-se
por fim a alegada violação do art. 111 do CTN, porquanto não há interpretação
extensiva da lei isentiva, já que "a literalidade da norma leva à
interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico
"cegueira", não importando se atinge a visão binocular ou monocular." (REsp 1196500/MT, Rel. Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011.) Agravo regimental
improvido.”
(AgRg no AREsp 121.972/DF, Rel. Ministro HUMBERTO
MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 02/05/2012) (grifos nossos)
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO.
"DEFICIÊNCIA AUDITIVA SENSÓRIA NEURAL BILATERAL PROFUNDA
IRREVERSÍVEL". MOLÉSTIA NÃO PREVISTA NO ROL TAXATIVO DO ART. 6º, INCISO
XIV, DA LEI N. 7.713/88. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. ART. 111
DO CTN. ORIENTAÇÃO ADOTADA EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO, NA FORMA DO ART.
543-C, DO CPC. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Nos autos
do REsp n. 1.196.500/MT, julgado em 2.12.2010, esta Turma entendeu que a
cegueira prevista no art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 inclui tanto a binocular
quanto a monocular. Tal entendimento é permitido pelo art. 111, II, do CTN, eis
que a literalidade da legislação tributária não veda a interpretação extensiva.
Assim, havendo norma isentiva sobre a cegueira, conclui-se que o legislador não
a limitou à cegueira binocular. No
caso dos autos, contudo, a isenção concedida na origem não se arrimou em
interpretação extensiva com base na literalidade da lei; antes, o Tribunal de
origem laborou em interpretação analógica, o que não é permitido na legislação
tributária para a hipótese. A cegueira é moléstia prevista na norma isentiva; a
surdez não.
2. A Primeira Seção desta Corte, quando do julgamento
do REsp n. 1.116.620/BA, de relatoria do Ministro Luiz Fux, na sistemática do
art. 543-C, do CPC, pacificou entendimento no sentido de que o rol de moléstias
passíveis de isenção de imposto de renda previstas no inciso XIV do art. 6º da
Lei n. 7.713/88 é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a concessão
de isenção às situações nele enumeradas.
3. O Poder Judiciário não pode substituir a vontade do
legislador para conceder isenção onde a lei não prevê, sobretudo porque o art.
111 do CTN somente permite a interpretação literal de normas concessivas de
isenção. Não se pode considerar que a omissão do legislador em incluir a surdez
no rol do art. 6º, XIV, da Lei n. 7.713/88 tenha sido em razão de falha ou
esquecimento e, ainda que esse fosse o caso, não poderia o julgador estender o
benefício fiscal à hipótese não contemplada pela norma. Assim, o acórdão
recorrido merece reforma, eis que, laborando em interpretação analógica,
equiparou a deficiência auditiva do contribuinte à cegueira, sendo que somente
a última encontra-se no rol do referido dispositivo legal.
4. Recurso especial provido.”
(REsp 1013060/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 08/06/2012) (grifos nossos)
“TRIBUTÁRIO. IRPF. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI
7.713/1988. INTERPRETAÇÃO LITERAL.
CEGUEIRA. DEFINIÇÃO MÉDICA. PATOLOGIA QUE ABRANGE TANTO O COMPROMETIMENTO DA
VISÃO NOS DOIS OLHOS COMO TAMBÉM EM APENAS UM.
1. Hipótese
em que o recorrido foi aposentado por invalidez permanente em razão de cegueira
irreversível no olho esquerdo e pleiteou, na via judicial, o reconhecimento de
isenção do Imposto de Renda em relação aos proventos recebidos, nos termos do
art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988.
2. As normas instituidoras de isenção devem ser
interpretadas literalmente (art. 111 do Código Tributário Nacional). Sendo
assim, não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão da incidência do
Imposto de Renda, incabível que seja feita por analogia.
3. De acordo
com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde, que é adotada
pelo SUS e estabelece as definições médicas das patologias, a cegueira não está
restrita à perda da visão nos dois olhos, podendo ser diagnosticada a partir do
comprometimento da visão em apenas um olho. Assim, mesmo que a pessoa possua
visão normal em um dos olhos, poderá ser diagnosticada como portadora de
cegueira.
4. A lei não
distingue, para efeitos da isenção, quais espécies de cegueira estariam
beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão, não cabendo
ao intérprete fazê-lo.
5. Assim,
numa interpretação literal, deve-se entender que a isenção prevista no art. 6º,
XIV, da Lei 7.713/88 favorece o portador de qualquer tipo de cegueira, desde
que assim caracterizada por definição médica.
6. Recurso Especial não provido.
(REsp 1196500/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 04/02/2011)”
Seguindo a
mesma linha de raciocínio do STJ, encontramos o julgamento proferido pelo
CARF—Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, sobre o tema o qual entendeu
que o portador de visão monocular possui direito a isenção do imposto de renda
pessoa física, cujo acórdão segue ementado:
“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física ¬
IRPF Exercício: 2004
Ementa:
RENDIMENTOS DE APOSENTADORIA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE.
CEGUEIRA PARCIAL. ALCANCE.
A lei que concede a isenção do IRPF sobre os proventos
de aposentadoria de contribuinte portador de cegueira não faz qualquer ressalva
de que apenas o portador de cegueira total faça jus ao benefício, o que implica
reconhecer o direito ao benefício isentivo àquele acometido de cegueira
parcial.
Recurso Voluntário Provido.”
De acordo com o
exposto supra, apesar de a Receita Federal não reconhecer o direito a isenção
do imposto de renda pessoa física ao portador de visão monocular, este não é
entendimento predominante no órgão julgador máximo administrativo da Fazenda
Nacional e da Justiça, dessarte, conclui-se que o Cego parcial, desde que aposentado
ou pensionista, faz jus a isenção do imposto de renda nos termos da Lei.
.3 – DA ISENÇÃO DO IPI e ICMS
Neste tópico
discorremos sobre o direito a isenção do IPI e ICMS ao portador de visão
monocular, visto que, é considerado legalmente como Portador de Necessidades
Especiais e, assim sendo, deve ter seu direito à isenção destes tributos.
.3.1- DO ENQUADRAMENTO COMO PNE
Mais uma vez
colide em erro o Fisco, ao negar o direito à isenção tributária dos impostos
IPI e ICMS ao portador de Visão Monocular, pois deve ser este considerado como
Portador de Necessidades Especiais.
A visão
monocular está enquadrada no CID H54.4, pertencendo ao rol de moléstias
consideradas como subtipos de Cegueira, portanto, considera-se como deficiência
visual permanente.
Corroborando
tal entendimento, temos a letra do art. 3°, I e II do Decreto nº 3.298/99 que
regulamenta a Lei nº 7.853/89 (que dispõe sobre a Política Nacional para a
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), no qual é considerado
deficiência:
“Art. 3º, I – deficiência - toda perda ou anormalidade
de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado
normal para o ser humano.
II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se
estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir
recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos
tratamentos;”
O portador de
visão monocular possui “perda ou anormalidade de uma função fisiológica ou
anatômica”, gerando incapacidade para o desempenho de atividade dentro do
padrão considerado normal para o ser humano, que é no caso, ser possuidor de
visão binocular.
No que se
concerne à incapacidade para o desempenho de atividade, ao portador de Visão
Monocular é fácil de constatar, visto que, a anomalia causa incapacidade ao
indivíduo, ficando este limitado para o exercício de diversas atividades,
aumentando a dificuldade para ingressar no mercado de trabalho.
De outro lado,
temos a Lei n.º 7.853, DE 24 DE OUTUBRO DE 1989, que entre outros assuntos dispõe
sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, que
diz claramente em seu artigo 1.º, §1.º, que na intepretação e aplicação da lei,
devem ser considerados os princípios da dignidade da pessoa humana, justiça
social, bem-estar entre outros.
“Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram
o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de
deficiências, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei.
§ 1º Na
aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da
igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à
dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição
ou justificados pelos princípios gerais de direito.”
Seguindo o
disposto na lei n.º 7.853/1989, a interpretação que deve ser feita de seus
termos e consequentemente do seu regulamento (Decreto n.º 3.298/99), é a que
consagre os princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, justiça social
entre outros, neste sentido, ao considerarmos o portador de visão monocular
como Portador de Necessidades
Especiais, aludidos princípios estarão totalmente consagrados.
Especiais, aludidos princípios estarão totalmente consagrados.
Temos que ainda
considerar que seguindo esta linha raciocínio algumas legislações estaduais, definem
claramente o portador de visão monocular como portador de necessidades
especiais, as quais devem ser consideradas para fins de aplicação da isenção
tributária, especialmente do ICMS.
Como exemplo
temos a Lei n.º 920, de 13/09/1995 do Distrito Federal, que seu artigo 1.º
considera o portador de visão monocular como portador de necessidades
especiais, para fins de concessão de próteses, cite-se:
“Art. 1º. Fica a Secretaria de Saúde do Distrito
Federal obrigada a fornecer aparelhos de órtese e/ou prótese aos portadores de deficiência:
I - física;
II - auditiva;
III - mental com paralisia cerebral;
IV - visual ambliope, visão monocular ou com cegueira total”. (grifo nosso)
Igualmente
temos a Lei n.º 14.481, DE 13 DE JULHO DE 2011, do Estado de São Paulo que
considera o portador de Visão Monocular como portador de deficiência visual,
portanto, portador de necessidades especiais.
“LEI Nº 14.481, DE 13 DE JULHO DE 2011
Classifica a
visão monocular como deficiência visual.
O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decreta e eu
promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - Fica
classificada como deficiência visual a visão monocular.”
Como corolário
do direito a isonomia geral, temos a isonomia tributária, segundo a qual, o
fisco não pode instituir ou cobrar tributos de forma desigual aos contribuintes
em situações equivalentes.
Ao se aplicar a
isenção tributária do IPI ao portador de visão monocular, restarão consagrados
todos os princípios constitucionais tributários e os legalmente descritos na
legislação regulamentadora dos direitos dos Portadores de Necessidades
Especiais.
.3.2- DA ISENÇÃO DO IPI
Segundo a Lei
n.º 8.989/1995, com a redação dada pela Lei n.º 10.690/2003, que regulamenta o
direito à isenção do IPI, traz em seu artigo 1.º, “caput”, inciso IV, que “ficam
isentos do imposto os automóveis de passageiros de fabricação nacional,
equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos,
de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a
combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando
adquiridos por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por
intermédio de seu representante legal”.
Para fins de
concessão do direito a isenção do IPI diz que a lei define o que se considera
deficiente visual, artigo 1.º, §2.º: “ ...é considerada pessoa portadora de
deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que
20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo
visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações”.
No entanto,
como já disposto no item 3.1 deste artigo, a legislação federal que trata dos
direitos dos portadores de necessidades especiais, determina que seja feita a
interpretação dela e consequentemente de seu regulamento, de forma a consagrar
os princípios da igualdade, justiça social, dignidade da pessoa humana, bem
estar, entre outros.
Considerando
que de acordo com a definição trazida pelo regulamento do IPI conjugado com a
Lei dos deficientes físicos, o portador de visão monocular ou cego parcial, é
deficiente físico, para os devidos fins.
Não se pode admitir,
desta maneira, que ao mesmo tempo considerado como deficiente por uma lei e não
por outra.
Estamos aqui
diante de um conflito aparente de normas, que ao nosso sentir deve prevalecer o
entendimento, de que o portador de visão monocular é deficiente visual e,
portanto, possuidor do direito a isenção do IPI, através de aplicação de
interpretação que consagre os princípios da isonomia tributária e da dignidade
de pessoa humana.
Não se podem
negar direitos iguais a pessoas em situações semelhantes, tão somente visando
uma interpretação puramente literal, pois a definição trazida pela Lei do IPI,
é aplicável àquele que possua visão nos dois olhos ainda que muito
comprometida, podendo ser considerado um “quase cego”.
O Cego
monocular ou portador de visão monocular, já não possui a visão em um dos
olhos, portanto, não há como se fazer aferição descrita na lei, e sendo
considerado legalmente como portador de necessidades especiais, faz jus à
isenção do IPI.
.3.3 – DA ISENÇÃO DE ICMS
Apesar do ICMS
ser um imposto de competência Estadual, as Fazendas Estaduais, por meio do
CONFAZ, para evitar a ocorrência de divergências entre Estados e, portanto, a
guerra fiscal, firmam convênios entre si, que passam a integrar o patrimônio
jurídico dos Estados-Federados anuentes.
Neste sentido
temos o atual Convênio ICMS do CONFAZ n.º 38, de 30/03/2012, que foi ratificado
nacionalmente através do Ato Declaratório n.º 05/2012, publicado no DOU de
26.04.2012, que rege o ICMS em âmbito nacional trazendo as principais
diretrizes, sendo complementado pelas legislações estaduais.
Nos termos do
Convênio ICMS CONFAZ n.º 38/2012, em sua cláusula primeira, prevê o direito a
isenção do ICMS para aquisição de automóvel por portadores de deficiência
física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por meio
de seus representantes.
Define o
convênio quem é deficiente visual, nos termos da cláusula segunda:
“Cláusula segunda - Para os efeitos deste convênio é
considerada pessoa portadora de:
I - deficiência física, aquela que apresenta alteração
completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o
comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,
paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia,
triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia
cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de
funções;
II -
deficiência visual, aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que
20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo
visual inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações;” (grifos nossos)
Da leitura dos
termos do convênio percebe-se claramente que ele segue os exatos termos da Lei
n.º 8.989/1995 (Lei do IPI), ocorrendo no mesmo erro da legislação federal,
pois o portador de visão monocular é considerado por si só deficiente visual e
não há como medicamente se realizar a aferição de acuidade visual dele,
mediante a comparação de um olho com o outro, visto que, portador de visão
monocular é cego de um dos olhos, esta aferição por óbvia é impossível.
No Estado de
São Paulo o Regulamento do ICMS (Decreto 45.490, de 30-11-2000, com a redação
dada pelo Decreto 49.203 de 1º-12-2004) em seu artigo 19, prevê claramente o
direito a isenção do ICMS para aquisição de automóveis por portadores de
necessidades especiais, remetendo a apuração do direito a comprovação das
condições descritas na Lei do IPI.
Portanto, para
a Fazenda Estadual de SP, o portador de visão monocular deve cumprir o
requisito da aferição visual descrito na Lei do IPI, para ser considerado
portador de necessidades especiais, da espécie deficiente visual, para ter o
direito à isenção do ICMS.
No entanto,
aqui cabem duas ressalvas:
1ª – a Lei
Estadual Paulista n.º 14.481, DE 13 DE JULHO DE 2011, classifica o portador de
visão monocular, como portador de deficiência visual, portanto, independente da
previsão no RICMS SP que deve cumprir os requisitos da Lei do IPI para isentar
o ICMS, fazendo uma interpretação sistemática da legislação, defendemos que com
o reconhecimento jurídico (em lei) da deficiência visual ao monocular,
automaticamente está enquadrado na hipótese legal de isenção do ICMS, seja com
base no RICMS ou no Convênio do CONFAZ.
A 2.ª ressalva
a ser feita versa sobre a questão da interpretação legal, com base nos
princípios constitucionais da isonomia tributária, justiça social, dignidade da
pessoa humana, como corolário a eles a melhor interpretação a ser feita é a que
se reconheça o direito ao portador de visão monocular a isenção do ICMS, por
ser portador de deficiência visual.
3.4 – DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
O entendimento
apresentado neste artigo está consoante com a jurisprudência nacional, uma vez
que, os tribunais superiores (especialmente) têm sido sensíveis a questão do
“enquadramento” do portador de visão monocular como deficiente visual, lhe
garantindo a isenção do IPI, ICMS e inclusive o ingresso em via concurso
público em vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais.
O STJ através
da edição da súmula de jurisprudência n.º 377 consagra o direito dos portadores
de visão monocular concorrem a vagas destinadas aos deficientes, portanto,
reconheceu claramente que a visão monocular é uma deficiência para todos os
fins de direito.
“STJ Súmula nº 377 - 22/04/2009 - DJe 05/05/2009
Portador de
Visão Monocular - Vagas Reservadas aos Deficientes
O portador de visão monocular tem direito
de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes.” (grifos nossos)
Nesta esteira
de entendimento temos o julgado do STF, no Recurso em Mandado de Segurança que definiu
que o portador de visão monocular padece de deficiência que impede a comparação
entre dois olhos para saber qual deles é o melhor, portanto, não lhe é aplicável
a exigência de aferição visual para fins configurar o direito a isenção do IPI
e ICMS, sendo, portanto, considerado portador de deficiência visual. Cite-se:
“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA
VISUAL. AMBLIOPIA. RESERVA DE VAGA. INCISO VIII DO ART. 37 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. § 2º DO ART. 5º DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7.853/89.
DECRETOS NºS 3.298/99 E 5.296/2004. 1.
O candidato com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação
entre os dois olhos para saber-se qual deles é o "melhor". 2. A visão
univalente -- comprometedora das noções de profundidade e distância -- implica
limitação superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. 3. A reparação ou compensação dos
fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica constitui
política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna
que se lê desde o preâmbulo da Constituição de 1988. 4. Recurso
ordinário provido.
(RMS 26071, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado
em 13/11/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02
PP-00314 RTJ VOL-00205-01 PP-00203 RMP n. 36, 2010, p. 255-261) (grifos nossos)
4 –DA CONCLUSÃO
A guisa de
conclusão pode-se afirmar seguramente com base na legislação pátria, e na
jurisprudência, assim como, utilizando-se de uma exegese que consagre os princípios
constitucionais de isonomia tributária, dignidade da pessoa humana e justiça
social, que o portador de visão monocular possui direito a isenção dos impostos
federais: Imposto sobre a renda pessoa física e; Imposto produtos
industrializados (IPI), assim como, do imposto Estadual sobre circulação e
movimentação de mercadorias e serviços (ICMS).
No que concerne
especificamente ao direito de isenção do IPI e ICMS ao portador de Visão
monocular, não é demais relembrar, que tais isenções se baseiam na sua situação
jurídica de portador de deficiência visual, portanto, portador de necessidades
especiais.
Certamente, o
Fisco Federal, quanto o Estadual, farão a interpretação pró-arrecadação
indeferindo o pedido de isenção destes tributos ao portador de visão monocular,
o qual deverá socorrer-se de advogado especialista em Direito Tributário, para
ingressar com ação judicial, com o fito de reparar a ilegalidade perpetrada
pelos agentes fazendários.
* Advogado,
inscrito na OAB/SP n. º 218.168, especialista em Direito Tributário, sócio do
escritório Lino Advocacia, blog: http://www.linoadvocacia.blogspot.com.br,
e-mail: leandro@linoadvocacia.com.br